SOBRE O AUTOR
Muito prazer, sou Ariel. Professor de inglês e um eterno aprendiz. Tradutor e um curioso das palavras. Apaixonado por ouvir histórias e um aspirante a publicar as próprias.
Natural de Caxias do Sul, RS, cresci rodeado de livros, e, desde pequeno, recebi incentivo de familiares para nutrir meu eu leitor.
Hoje, entre diversos projetos engavetados e um punhadinho de ideias brilhantes – passando, claro, por cochilos e cafés –, tenho, na escrita, um caminho para dar voz a quem não é ouvido e trazer luz ao que não é visto.
Coleciono contos e poemas na mochila, e algumas crônicas publicadas em jornais – algo de que tenho imenso orgulho. Possuo, também, um livro de suspense prontinho para o lançamento... Ainda é cedo para rufar os tambores?
Além disso, nutro enorme estima pelos Cards Literários, minha engenhosa criação que, desde 2019, une o deleite de uma boa leitura à velocidade da tecnologia e da inovação.
Não sei que confins posso vir a desbravar na aventura de contar histórias... mas sei que a graça está, justamente, em se permitir a descoberta. Brindemos às páginas ainda desconhecidas!
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
UMA QUESTÃO DE GERAÇÕES
Um velho senhor, puritano da língua, e um publicitário moderno se encontram para uma reunião de feedba... de pareceres:
– E então? – indaga o jovem publicitário, muito prático. – O senhor gostou dos materiais?
– Sim. Olhei-os por alto e me parecem bons. Porém, gostaria de repassar alguns pontos a fim de melhor compreendê-los...
– Claro, diga lá!
– Aqui, onde está descrita a impressão de quinhentas unidades, vocês se referem aos...
– Aos flyers.
Silêncio.
– Flyers?
– É. São os flyers para entregarmos. Sabe? Tipo... tipo aqueles folders, entende?
– Hum... certo.
– Fizemos, também, um brainstorming lá na agência a respeito da administração dos seus perfis nas redes sociais.
– Ah, o Facebook! – retruca o senhor, mostrando-se repentinamente bem-informado.
– É. Também. Trocamos uma ideia e achamos que seria uma boa o senhor começar a impulsionar alguns posts, dar uma turbinada no feed. De repente, postando fotos com mais frequência, por exemplo, você consiga obter mais engajamento.
– Entendo... – ele pensa um pouquinho. – Falando em Facebook, deixe-me aproveitar a oportunidade para sanar uma dúvida justamente sobre isso: ainda outro dia, eu havia batido umas fotos de alguns dos produtos e estava tentando... ééé... publicar. Mas primei várias vezes e não consegui escolher as imagens.
– Desculpe, o senhor... primou?
– É. Primei o botão, entende?
– Ah! O senhor clicou, assim, com o mouse?
– Exato!
– E as fotos não apareceram na tela?
Os ralos cabelos cor-de-algodão dançam no cocuruto quando o velho cliente balança a cabeça em negativa.
– E o senhor tentou postar pelo celular também?
– Não. Somente pelo computador da loja.
– Certo... Mas você havia tirado as fotos com o celular?
– Não. Tirei com a máquina fotográfica.
– Entendi. E o senhor lembrou de passá-las pro computador?
Outro breve silêncio.
– Talvez eu tenha me esquecido.
– Bem, posso ajudá-lo com isso. É o tipo de coisa que dá para resolver em dois toques, assim que terminarmos aqui.
– Muito agradecido!
– Não tem de quê! – o publicitário volta a atenção aos papéis que trouxera. – Vamos voltar aos... aos outros serviços?
– Claro.
– Bem, então, como eu ia dizendo, temos os quinhentos flyers...
– Temos?
– Sim...
– Certo – o ancião se empertiga na cadeira, ajeita os óculos na ponte do nariz e estreita os olhos para o relatório que ambos estudam. – Desculpe interromper de novo, filho, mas agora que você falou novamente dos... dos quinhentos...
– Flyers?
– Isso. Para que vamos fazer tantos desses, mesmo?
– Para entregar.
– Mas não íamos fazer os... os panfletos para isso?
O publicitário hesita.
– Acho que eles são, para todos os efeitos, a mesma coisa, senhor.
– Ah! Devo ter feito confusão.
– Não tem problema.
O tiquetaquear de um relógio de parede subitamente parece se avolumar entre os dois, como as gerações que se encolhem e expandem para ocupar esse espaço. Um quase resignado jovem-adulto retoma:
– Temos, então, os... panfletos, aliados a uma maior constância nos posts de redes sociais, e também pensamos em gravar alguns stories com os lançamentos da loja – desta vez, antecipando perguntas, o publicitário explica: – Stories são pequenos vídeos que vão ao ar no Instagram, e cuja vantagem é que são dinâmicos para assistir e relativamente fáceis de preparar.
– Ah... fique tranquilo: eu sei o que é um story. Minha sobrinha, a Sônia, me ensinou a filmar ainda outro dia. Você devia ver a destreza com que ela lida com essas coisas.
– Ótimo! – aprova o rapaz, sorrindo. – E, sim, a nova geração é, de fato, muito esperta para isso, né?
– Ah, não, não! Ela tem setenta e seis anos. É, na verdade, quatro anos mais velha que eu próprio.
– Uau! Por essa eu não esperava!
– Pois é, pois é!
Ambos suspiram em uníssono: o publicitário, tentando se recuperar da gafe; e o ancião, talvez contemplando uma existência de harmonia com a tecnologia, em que stories são gravados com a mesma facilidade com que pedras de bingo são colocadas, de maneira exultante, sobre a ficha do vencedor.
– Bem... retomemos, então. Além da maior constância em posts nas redes sociais... incluindo, nesta brincadeira, alguns stories a cada tanto (Sônia pode lhe ajudar)... também temos os flyers a serem entregues em algum ponto estratégico da cidade e o catálogo eletrônico que, segundo o que foi apurado no briefing, vocês enviam para os novos clientes.
– Sim. Costumamos encaminhar um catálogo por e-mail para nossos novos prospectos.
– Ok. Acho que podemos manter isso também. Poderíamos disponibilizar o catálogo para download nas mídias sociais.
– Não tem nenhum risco nisso?
– Como assim?
O senhor se remexe, agora parecendo ligeiramente incomodado.
– Veja bem... Ainda outro dia, recebi uma mensagem do banco me atentando ao prazo de... de... atualização do sistema. Na mensagem em questão, eu tive que primar para fazer d... para carregar. Depois, me... me pediram para colocar os dados da empresa, como o CNPJ, e confirmar o número da conta e a senha.
– E o senhor forneceu esses dados?!
– Eu estava teclando, mas, de repente, começou um barulho, e... e veio uma mensagem...
– De que uma ameaça fora encontrada?
– Exato!
– Então o senhor não digitou sua senha, certo?
– Como o... o programa não carregou, eu fiz diferente. Voltei para a tela do WhatsApp, onde tinha a mensagem...
– A mensagem do “banco” estava no WhatsApp?!
– É. Então eu voltei para a tela da... da mensagem...
– E o que o senhor fez em seguida?!
– E, como não estava funcionando o... o sistema, expliquei para o atendente e pedi se ele poderia fazer essa parte para mim.
O estômago do publicitário, mesmo acostumado a doses insalubres de cafeína, se encontra agourentamente embrulhado por outro motivo.
– Por favor... me diga que o senhor não mandou sua senha bancária para um terceiro no WhatsApp...
O velho cliente coça a cabeça.
– Eu receio que tenha mandado, sim.
Mesmo trabalhando com clientes similarmente ignorantes em termos de tecnologia, a sensação de facada no peito sempre aperta, feito um infarto fulminante ao qual o jovem sobrevive dia após dia. Ainda assim, as implicações dessa atitude escapam baixinho, antes que a boca consiga calar:
– Oh, fuck it! Fuck it!
Respirando fundo algumas vezes, o rapaz consegue clarear os pensamentos:
– Certo... certo. O senhor me aguarda aqui, que vou ali fora fazer uma ligação e ver como a gente consegue resolver isso. Volto logo, ok?
– Sem problemas.
Logo que ele sai, a esposa do velho, percebendo a aura de tensão que se estabeleceu no escritório, coloca a cabeça porta adentro.
– Está tudo bem aí, nono?
– Não sei, velha. Contei para o menino sobre aquela mensagem do banco, e ele saiu todo afoito para resolver sabe-se lá o quê... Você consegue espiar e ver se ele está bem?
– Claro, nono, mas... por quê? Ele disse algo?
O senhor vinca a testa, se recordando das estranhas palavras mastigadas pelo publicitário.
– Por mais estranho que pareça, disse, sim. Logo que contei a situação, ele saiu repetindo alguma coisa sobre “faniquito”.
Ele suspira.
– Estão cada vez mais estranhos esses jovens...
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