SOBRE O AUTOR
Luís Holiver é um escritor, ator e dramaturgo nascido e criado em São Paulo. Inseriu-se na cena teatral paulistana aos 17 anos, quando entrou para a companhia de teatro Os Satyros, estreando no clássico Os 120 Dias de Sodoma. De 2017 até 2024, participou de importantes espetáculos da trupe, como os premiados Pessoas Brutas (2022), Os Condenados (2022) e As Bruxas de Salém (2023).
Formou-se em dramaturgia pela SP Escola de Teatro. É autor de peças como Música Para Ranger os Dentes (2020) e Y Tu Mirada Era de Adiós (2022), esta última traduzida para o espanhol e apresentada em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Em 2023, escreveu a peça Vamos Ver as Tartarugas, cuja adaptação cinematográfica lhe rendeu o Prêmio Curto Criativo nas categorias “Melhor Roteiro” e “Melhor Roteiro Experimental”. Escreveu textos para o projeto Ocupação Decameron (2024), uma parceria entre as companhias Parlapatões e Os Satyros. Seu texto teatral Mito na Sarjeta será publicado no livro Entre Almanach 2024 ao lado de autores de diversas partes do mundo, organizado pela SP Escola de Teatro com a Universidade de Gdańsk, na Polônia.
O trabalho de Luís Holiver se caracteriza por explorar o experimentalismo formal e intersecções possíveis entre a escrita e o jogo cênico. Com influências de Júlio Cortázar e da dramaturgia contemporânea, seus textos — muitas vezes inspirados por vivências pessoais — abordam temas como subversão, juventude, perda da inocência, sexualidade, nostalgia, cenas cotidianas aliadas a elementos fantásticos e poéticas urbanas na cidade de São Paulo.
A CRÔNICA FINALISTA
CENA NA IMIGRAÇÃO
Luís Holiver
Mal cheguei na Argentina e já fui barrado. Segurança de aeroporto e tal. Pediram documento, mandaram eu tirar tudo do bolso, abriram minha mala, reviraram todas as minhas roupas dobradinhas… Enfim, me abriram inteiro. Até os sapatos eu tive que tirar. Tanta gente mais misteriosa que eu naquele aeroporto. Por que justo comigo?
— Tem muito jovem brasileiro que tá levando droga pra Buenos Aires.
Foi isso que o cara que me revistou disse. Fiquei meio sem reação. Eu não tava levando drogas pra Buenos Aires. Aí ele começou a perguntar um monte de coisa: de onde vem? O que veio fazer aqui? Está sozinho? Conhece alguém na Argentina? Perguntou tudo, tudo, só faltou o signo. E por último: qual é a sua profissão?
Eu disse que eu era ator. Ele desconfiou…
— Você é ator de cinema?
— Não, sou ator de teatro.
E pra que eu fui falar isso? Dizer que é ator de teatro no aeroporto é o mesmo que dizer que eu fumo maconha todos os dias, compro e vendo pó e tenho associação direta com o tráfico boliviano. O cara fez um silêncio muito estranho.
— Tem como provar?
Aí eu pensei: ele quer o quê? Que eu faça uma cena ao vivo? Quer ver meu DRT? Parecia um daqueles momentos clássicos do tipo “cê é ator?! Então chora aí pra gente ver!”. Na verdade ele só queria fotos que comprovassem que eu não tava mentindo.
Mostrei várias fotos minhas no palco, passamos por vários personagens que eu já fiz e esse foi um momento digno de frases como “É você com esse bigode?”, “Mas isso é peruca?”. O cara por um momento esqueceu que tava me revistando e começou a perguntar sobre a minha carreira. Enquanto isso eu, descalço, no meio da sala de revista de drogas tentava provar com um espanhol ruim que: eu não tinha drogas, eu era um ator e, sim, esse com essa peruca sou eu.
Ele então voltou a ficar pensativo. Pra quebrar o clima tenso que eu mesmo criei, comentei também que tinha muito interesse no teatro argentino, que era fã do trabalho do Ricardo Darín e da Lola Arias. Ele ainda tava meio pensativo, parecia meio revoltado, só que de um jeito tímido… aí ele soltou essa:
— Já fiz teatro. Por três meses.
E eu:
— Sério?! E por que parou?
— Não gostei. Acho uma coisa de louco. Se já é difícil administrar a minha vida de verdade imagina ter que inventar outras de mentira? Só sendo muito louco mesmo. Pode botar os sapatos, a saída é seguindo ali na direita.
Buenos Aires, 11 de janeiro de 2024
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