SOBRE A AUTORA
Flávia Duque é uma jovem escritora baiana, nascida em Feira de Santana, de 26 anos. É formada em Licenciatura em Letras Vernáculas, em que tem atuado como professora de Língua Portuguesa, sua segunda paixão, depois da escrita. Atualmente, escreve sobre suspense, romance e tem se enveredado pela literatura infantil.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
O cheiro da vitória
Venceu! Poderia ter vencido um campeonato de xadrez, uma maratona — mesmo que eu só corresse para alcançar o ônibus e olhe lá —, ou que fosse um concurso de qualquer-coisa-que-se-possa-ser-vencida. Mas não. O que venceu mesmo foi o desodorante.
E não poderia ser pior! Mas como bem diz eu mesma: não desafia o destino que ele sente a necessidade de se superar. Mas oras! Não poderia mesmo ser pior, até porque não estava no conforto da minha casa, com um chuveiro disponível para acabar com o problema. Nem próximo a um supermercado. Sequer estava com alguém conhecido — e de confiança! — para poder pedir ajuda, ou no máximo uma esguichada de um desodorante perdido. Pois não. Vou logo à má notícia: estava em local público e prestes a me encontrar com alguém. Não uma amiga nem um colega de trabalho. Necessariamente “alguém”. E naquele dia, mais do que qualquer outro, era imprescindível que todas as batalhas fossem vencidas, exceto a do meu desodorante com a minha axila.
Faz-se o que agora? E faz-se algo? Estava em cima da hora para desmarcar, e nos tempos de hoje, cujas conversas cara a cara têm virado coisa de gente corajosa, e com tempo para cultivar essa coragem toda, fiquei num impasse de furar ou não o “encontro”, diga-se de passagem. Resumindo: não furei por n motivos que dariam um monólogo se eu fosse listar, mas um deles era porque o clima estava frio naquele dia. Antes que pense “ah, e foi fedida?”, calma! Também não estava assim, era só aquela sensação de que algo dentro de você, bem lá no fundo, te avisa que alguma coisa está errada antes que comece a feder.
O jeito foi manter os braços abaixados, evitar abraços apertados e nada de gesticular muito. Manter a plenitude do ser fingindo que nada estava acontecendo nas esquinas que ligam a Rua Ombro com a avenida principal Caixa Torácica.
Mas o xis da questão é o sentido do termo “vencimento” para o fim do prazo de validade das coisas. Não quero questionar a origem das palavras, mas me diga se não faria mais sentido se disséssemos que o desodorante perdeu em vez de venceu?! Tá, talvez não caia tão bem. Porém, por que dissemos que ele vence quando justamente deixou de exercer sua função de manter nossas dobrinhas livres de maus odores? Quem vence não é a catinga, nhaca, o cêcê (seja lá como prefira chamar)? “O desodorante venceu!” deveria se referir que sim, ele venceu todas as dificuldades sudoríparas causadas durante o dia, sem sucumbir, e não que ele já deixou de funcionar. E os desodorantes 48h deveriam ser os maiores vencedores, salvadores da pátria, não?
Não. Se o desodorante está vencido significa que você está fedendo, que você está numa enrascada e que provavelmente terá que se comportar como um pinguim até que possa resolver o probleminha. A menos que o desodorante seja um inimigo disfarçado de amigo, pronto para te deixar na mão quando você mais precisar, não vejo outro motivo para que digamos que ele venceu. Talvez ele ganhe uma medalha pela quantidade de vezes e pessoas que continuam caindo em sua armadilha e terminam frustrados e fedorentos.
A dúvida agora é: em qual poder confiar. O Nívea parece suspeito. Não consigo confiar no Monange. O Rexona pode ser a melhor das opções. Mas se ele for 48h tenho até medo da sua grande vitória.
20 de maio, 2019
Flávia Duque
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