SOBRE A AUTORA
Natural de Macatuba, Gabriela Francisco aprecia leitura e escrita desde os tempos de escola, e nos últimos anos passou a se dedicar mais a essa prazerosa atividade. É bacharel em Direito, pós-graduada em Literatura Brasileira e cursa atualmente Jornalismo. Escreve poesia e crônica. A autora vive em Bauru, SP, com suas duas cachorrinhas, Cacau e Cléo e com sua gatinha, Mel. Em 2023, publicou seu primeiro livro, Mulher Moderna, pela editora Caravana. Nele, a autora retrata, em 23 crônicas, algumas das suas inquietações mais íntimas, pincelando nuances de sua infância, com seu processo de amadurecimento na vida adulta, mesclando o surgimento da ideia da maternidade a temas de seu cotidiano, com descontração e senso de humor.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Mulher moderna
Aos trinta anos, me considero uma mulher. Moderna e, portanto, melhor do que todas as que vieram antes de mim. Moro sozinha, pago minhas contas e as de minha cachorrinha. Trabalho, faço exercícios físicos e cursos, saio com amigas e transo com (des)conhecidos. Escrevo, pinto e danço. Dou risada alto. Estou sempre conectada às redes sociais e entendo de memes. Odeio a piada do pavê. Não consigo imaginar nada mais moderno que isso.
Até encontrar algum homem que atraia meu interesse. Eis que sou tomada por minha versão do século 18, escondida no porão do inconsciente: boa moça, sorriso no rosto e pronta para servir. Disposta a ouvir qualquer baboseira e pegar a cerveja na geladeira, pois já me levantei e não custava nada pegar uma lata ao voltar para sala. Cozinho e lavo louça. Desmarco meus compromissos ou, ainda pior, deixo de fazer planos enquanto ele não me passa seus horários. Sem pestanejar, me dispo da modernidade e a escondo no armário, junto às calcinhas velhas e às meias-calças furadas.
De repente, começo a sentir algo estranho na relação – uma indireta, uma risada forçada, um olhar de espanto. Será que, durante a noite, ele abriu meu armário às escondidas e encontrou minha modernidade no fundo da gaveta? Decidida a lhe passar confiança, sigo com o teatro para provar que meu estilo agora é outro. Estou pronta para ser sua companheira, pode me assumir. Até aceito sair com seus casais de amigos e falar como todos os namorados são iguais e que homem é assim mesmo.
Incansável, prometo ser mãe. Dúvidas sobre como criar um filho (porque certamente será homem)? Se um dia tive, hoje não me recordo, hoje estou cheia de certezas. Vou me empenhar, vou parir igual à minha avó enquanto sorrio para o fotógrafo e garanto a foto para o post nas redes sociais. Vou cuidar do bebê sem reclamar, amamentar até seis meses (para o peito não ficar muito caído), levantar todas as vezes em que ele chorar à noite sem acordar meu marido. Vou cuidar da casa, cozinhar, lavar e passar. Vou fazer dieta no puerpério, porque se demorar muito a perder o peso da gestação é provável que ele nunca mais deixe meus quadris. Vou voltar a transar assim que sair do “resguardo”.
O mais curioso é que não lhe disse todas essas coisas, mas meu parceiro entendeu tudo – antes de mim, inclusive. Eu não era aquela pessoa, era só a personagem que criei para ser aceita. Com a desculpa genérica “não é você, sou eu”, ele me deixa, como outros antes o haviam feito.
Sem fôlego e perspectivas, abri o armário e peguei de novo minha roupa moderna. Dei-lhe uns bons tapas para desamarrotá-la e a vesti. Somos eu e você, amiga. Vamos dar uma volta e descobrir as aleatoriedades desse mundo doido.
Comments