SOBRE O AUTOR
Paulistano, sempre procurei desenvolver habilidades de escritor, seja em poemas, crônicas e contos, paralelamente à profissão de jornalista, que mantenho há trinta e seis anos.
Apenas agora, após muito tempo, tenho tornado públicos alguns dos trabalhos que fiz, na verdade como uma tentativa de me livrar deles, porque são como alguns filhos: se não expulsamos de casa passam a vida nos atormentando.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Dia de eleição
A escola é a mesma de todas as eleições. E é a mesma das primeiras lições. Pública. Municipal.
A primeira vez que entrei ali e escolhi uma cadeira (dizíamos carteira, antigamente), tinha seis anos, 1968. A sala onde voto agora também não muda há muito tempo. Acho que é a mesma da terceira série. Hoje o metrô, estação Jabaquara, na imensa São Paulo, envolve tudo nas redondezas mas, na época, ele não havia. Vivemos muito bem sem ele, mas vivemos bem também quando chegou o trem, trazendo a cidade até nós. Ou melhor, na verdade, ele veio nos buscar, me levou pra longe (nem em São Paulo estou mais), levou muita gente e me traz de volta a cada dois anos.
Antigamente eu fazia disso um evento ainda maior, porque encontrava meu melhor amigo, o Marcelo – nascemos praticamente juntos, vizinhos de parede, a dois quarteirões dali – e íamos os dois votar, colocar o papo em dia, relembrar aqueles tempos, as pessoas, as ruas. Mas o Marcelo se foi muito antes do prazo aceitável. Esse trem da vida é como o metrô, que leva tudo e todos pra bem longe.
Eu continuo fiel a essas memórias e aos encontros, vou sozinho mesmo, faço o que fazíamos e, já que estou por ali, voto. Vejo fantasmas de carne e osso passando por mim no corredor de votação, reconheço traços distorcidos de feições do passado, mas não arrisco cumprimentar ninguém. Podem não ser de carne e osso. Devem pensar o mesmo de mim.
Esse costume não é, como diriam, uma forma de me manter fiel às raízes – não entendo muito disso – apesar de ter plantado uma árvore ali, ao lado do pátio, que pode ser alguma das que vejo hoje, grandes, frondosas e saudáveis. Gosto de pensar que é um simples ajuste de foco para poder enxergar melhor o futuro – eu, que sou míope e astigmático desde os quatorze anos. É que minha escola me ensina até hoje, as lições são intermináveis. Ela tem, do seu jeito um tanto antigo, mas ainda eficaz, uma forma de ensino à distância, com algumas aulas presenciais, que não posso perder.
Daqui a pouco estarei lá de novo e depois em dois anos, sempre com uma alegria imensa. Vou pensando na saúde (que por acaso é o nome de outra estação, ali pertinho); pensando na liberdade (que também é estação, conectada com a saúde); pensando num certo paraíso (de novo uma parada, na mesma sequência), e ainda apostando na república (que também é uma estação, mas de outra linha).
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