SOBRE A AUTORA
Mariana é redatora publicitária, formada em jornalismo. Escreve crônicas para passar o tempo e dar orgulho ao seu pai.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Caros Colaboradores
Nada consegue explicar por que motivo essas pessoas aceitaram dividir este escritório diariamente, durante 8 horas, quarenta horas por semana com aquilo.
A criatura tem dois metros de altura e uma penugem amarela que não esconde a pele purulenta. Os dentes parecem perfurar o meio da gengiva roxa, e a baba que escorre dos lábios finos é branca e espessa como cola.
O pessoal do RH se recusou a fazer qualquer comentário sobre o assunto durante sua primeira semana de trabalho, e a fila para esquentar a marmita se desfaz sempre que você puxa o assunto. Quando posicionaram a máquina de expresso ao lado da entidade, as pausas para o café perderam um pouco de brilho. Duas semanas no novo emprego e você já desistiu de perguntar que diabos é aquilo.
Em qualquer dia normal existe um zumbido batendo nas paredes. Todas as quarenta e tantas pessoas dentro do escritório não querem enxergar o bicho que está perto da sala de máquinas, ele às vezes rosna, outras pia, mas vibra como uma abelha o tempo inteiro. Pelo canto dos olhos dá para notar a monstruosidade roncando com a suavidade de um gatinho. E você sente inveja desse sono tranquilo.
Ninguém deixa de bater nas teclas se o monstro acorda e começa a ficar violento. Você faz o mesmo, a sua teoria é de que aquela coisa não vai atacar se todo mundo continuar fingindo que ela não está lá pingando baba no carpete cinza.
Mesmo depois de aceitar que ninguém vai lidar com a realidade de uma criatura monstruosa encostada na parede entre a cafeteira e a sala de máquinas, seu desconforto não passa.
A produtividade despenca quando o ar condicionado quebra e em plena onda de calor a criatura incomodada começa a se debater e atirar os cartuchos de tinta da copiadora para todos os lados. Metade dos funcionários ignora solenemente os grunhidos, a outra metade está tentando filmar o surto o mais discretamente possível.
Lá pela hora do almoço, o Jarbas, do jurídico, é atingido no meio da testa, dá duas piruetas e cai com a cara no chão. Depois de um sobressalto generalizado, o rapaz da Segurança do Trabalho manda o Jarbas para casa e "dá fim" a qualquer coisa que possa ser lançada pelo monstro na direção dos colaboradores.
Você acha o cara da Segurança do Trabalho muito corajoso por chegar perto do bicho depois do que aconteceu na semana passada com a Verinha, do financeiro.
O Jarbas voltou ao trabalho com um colar cervical, as pessoas estão encolhidas em suas mesas para ficar o mais longe possível da criatura. E faz tempo que você não vê a Verinha.
A situação está insustentável, você escuta seus colegas mencionarem pela primeira vez a criatura. O pânico e a insatisfação estão instaurados, parece que não é a primeira vez que acontece um motim. O Robson, do atendimento, jura que há uns 5 anos o monstro atacou a Cleide, da logística. Pegou a coitada pelas pernas e deu com ela na parede. E é por isso que ela foi promovida.
O pessoal do marketing tinha até bolado o slogan da greve, alguém está falando de revolução. Então o RH manda um daqueles e-mails coletivos para avisar, em tom de comemoração, que um adicional por insalubridade será creditado ao salário dos colaboradores. É um eufemismo chamar de ambiente insalubre um escritório de 100 metros quadrados ocupado por uma fera descontrolada. Só que está tudo "ok" no Ministério do Trabalho e o adicional por insalubridade ajuda bastante nas contas. Quando o novo estagiário te pergunta que diabos é aquela coisa parada ao lado da máquina de expresso, você vira seu café ruim goela abaixo e o deixa falando sozinho.
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